Texto produzido para o grupo de estudos FGV – Modelo de presidencialismo no Brasil. (parte 1).
O Ultrapresidencialismo Estadual , in Os Barões da Federação. Autor Fernando Luiz Abrucio.
Nesse artigo, Fernando LuizAbrucio mostra como o poder do Executivo estadual, mais especificamente o governador de estado, se sobrepõe na conjuntura política atual sob as demais esferas de poder . Leia-se aqui, poder judiciário, legislativo e até mesmo a União.
“O sistema político estadual brasileiro tem se caracterizado pela hipertrofia do Poder Executivo que exerce uma forte influencia sobe o Legislativo como sobre o judiciário, chegando em alguns casos a enfraquecer o princípio constitucional da separação e independência entre os Poderes”. Essa hipertrofia é o que define o poder do Executivo estadual por ultrapresidencialismo, pois ao contrário do que ocorre na esfera Federal em que o Legislativo possui o poder de agir como fiscalizador das ações do governo na esfera estadual a Assembléia Legislativa age como principal cooptadora dos interesses do Executivo estadual.
A debilidade institucional das Assembléias Legislativas tiveram poucas mudanças após o regime militar, que atribuía ao Legislativo um poder secundário no processo político nacional, não possuindo um corpo técnico especializado nas atividades parlamentares. Segundo o autor, a fraqueza estrutural da Assembélia Legislativa origina-se da incapacidade dos deputados estaduais romperem com a lógica do sistema político agindo com clientelismo frente ao poder Executivo.
O Objetivo do texto é analisar o processo de governo nas unidades estaduais brasileiras. Para tanto o autor estuda as relações entre os poderes em quatorze estados e no Distrito Federal no quadriênio de 1991 a 1994. Centrando o foco no processo decisório, sobretudo em sua forma, e na efetividade dos mecanismos de controle do poder publico.
A coalizão fisiológica de governo (CFG) foi estratégia usada pelos governadores para obter maiorias parlamentares. Quinze unidades federativas foram analisadas: Amazonas, Pará,Ceará, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Distrito Federal (embora não seja uma unidade federativa funciona como tal) . O principal critério para a escolha dos estados estudados foi a importância da política-econômica-demográfica. “A exceção ficou por conta da Paraíba, cujos dados visavam analisar se havia um contraste entre as unidades federais mais pobres e as mais ricas no que tange à construção de maiorias parlamentares nas Assembleias Legislativas, o que em linhas gerais não foi percebido”.
Ao testar sua hipótese nos quinze estados pode-se perceber a neutralização da ação dos TCEs e dos Ministérios Publicos estaduais, garantindo fácil aprovação das contas dos governadores, o arquivamento dos processos contra o governo estadual, ou pelo menos uma maior morosidade na apuração dos processos que de alguma forma podem comprometer o líder do Executivo. Essa neutralização dos órgãos ocorre porque os governadores possuem prerrogativas tanto na escolha tanto na escolha dos conselheiros dos TCEs como dos Procuradores-gerais dos ministérios publicos, influindo politicamente na atividade desses órgãos e desvirtuando suas funções de check and balance.
Notas sobre o Ultrapresidencialismo Estadual – para melhor compreensão;
Na esfera estadual ocorre um sistema ultrapresidencialista:
- Poder exercido pelo executivo e mais especificamente pelo governador como principal agente em todas as etapas do processo de governo, relegando a Assembléia Legislativa um plano secundário.
- Os mecanismos de controle do poder publico eram pouco efetivos, tornando o o sistema político um presidencialismo sem check and balances.
Diante desse cenário, a principal consequência do ultrapesidencialismo foi o fortalecimento dos governadores que se tornaram incontrastável em sua esfera de governo. NO período estudado, os chefes dos Executivos estaduais governaram diante de uma frágil oposição e sem fiscalização de outros poderes.
No primeiro capítulo o autor descreve o funcionamento do ultrapesidencialismo estadual, mostrando de que forma se estruturou o enorme predomínio do Poder Executivo no processo decisório. Na segunda seção investiga as causas do poderio dos governadores no ambito estadual. Na conclusão analisa as consequências do ultrapresidencialismo estadual para a política brasileira.
- O funcionamento do ultrapresidencialismo estadual
A Constituição de 1988 garantiu o fortalecimento do Poder Legislativo dentro do sistema presidencialista, e por outro lado aumentou o poder de fiscalizador do Executivo. Entretanto ao observa-se que seu funcionamento é diferente no plano federal se comparado à esfera estadual.
O sistema político estadual brasileiro tem se caracterizado pela hipertrofia do Poder Executivo que exerce uma forte influencia sobe o Legislativo como sobre o judiciário, chegando em alguns casos a enfraquecer o princípio constitucional da separação e independencia entre os Poderes.
Como ocorre?
Neutralizando a ação fiscalizadora dos TCEs e dos Ministérios Publicos estaduais, garantindo fácil aprovação das contas dos governadores, o arquivamento dos processos contra o governo estadual, ou pelo menos uma maior morosidade na apuração dos processos que de alguma forma podem comprometer o líder do Executivo. Essa neutralização dos órgãos ocorre porque os governadores possuem prerrogativas tanto na escolha tanto na escolha dos conselheiros dos TCEs como dos Procuradores-gerais dos ministérios publicos, influindo politicamente na atividade desses órgãos e desvirtuando suas funções de check and balance. Dessa forma o governo estadual atua de maneira imune às fiscalizações constitucionais.
O autor observa que no quadriênio estudado, o controle rígido do Executivo estadial sob a Assembléia Legislativa foi por quase todos os governadores estudados.
Consequências visíveis:
As CPIs apuradoras de atos irregulares tiveram resultados favoráveis ao governo estadual (mesmo quando as evidências provam o contrário) como no caso da CPI da compra de deputados distritais em Brasília e a CPI do Carandiru em São Paulo, e o caso da Assembléia Legislativa que paraibana que não retirou da imunidade do governador Ronaldo Cunha Lima para que ele fosse processado em razão da sua tentativa de homicídio contra o ex governador, Tarcísio Buriti, cometida em ato publico diante de dezenas de pessoas. Para completar o quadro ultrapesidencialista, o Executivo estadual ainda limitava o papel do Legislativo dentro do processo decisório. Segundo o autor, nos casos estudados as Asembléias Legislativas apenas referendavam as políticas publicas elaboradas pelo Executivo.
O momento fundamental na dinâmica da relação Executivo-Legislativo dentro do presidencialismo é participação dos deputados estaduais na elaboração dos Orçamentos. As Assembléias Legislativas basicamente homologavam o orçamento apresentado pelo Poder Executivo.Isso não quer dizer que as emendas dos deputados não tenham sido aprovadas. A hipótese é que as emedas aprovadas pelos parlamentares estaduais não alteravam as lógicas dos gastos do Executivo. O autor informa que não há espaço nesse artigo para apresentar essa lógica em cada estado, mas em outro artigo comprova essa hipótese analisando o Estado de São Paulo.
Como as negociações entre o Executivo e o legislativo ocorrem em salas de gabinetes dos governos estaduais, estabelecia um processo intransparente para a opinião publica, cabendo quando muito, às oposições estaduais denunciar a ilegitimidade do processo.
A colizão fisiológica de governo (CFG) foi estratégia usada pelos governadores para obter essas maiorias parlamentares. Quinze unidades federativas foram analisadas: Amazonas, Pará,Ceará, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Distrito Federal (embora não seja uma unidade federativa funciona como tal) . O principal critério para a escolha dos estados estudados foi a importância da política-econômica-demográfica. A exceção ficou por conta da Paraíba, cujos dados visavam analisar se havia um contraste entre as unidades federais mais pobres e as mais ricas no que tange à construção de maiorias parlamentares nas Assembleias Legislativas, o que em linhas gerais não foi percebido.
O que foi percebido é que logo após as eleições, em 1990 nenhum dos partidos ou coligações que elegeram os governadores possuiam maioria na Assembleia Legislativa – o que mostra razoável competição partidária eleitoral. Em março de 1994 o quadro havia mudado, o que mostra o caráter situacionista das Assembléias Legislativas.
Tabela I
A Posição dos Deputados em relação ao Governo
Unidade da Federação |
Nº de deputados da Assembleia |
Situação |
Oposição |
Independentes |
Amazonas |
24
|
18 (75%)
|
04 (16,7%)
|
02 (8,3%)
|
Pará |
41
|
30 (73%)
|
11 (27%)
|
|
Ceará |
46
|
36 (78,3%)
|
10(21,7%)
|
|
Pernambuco |
49
|
24 (49%)
|
20 (41%)
|
05 (10%)
|
Paraíba |
36
|
25 (69,4%)
|
11 (30,6%)
|
|
Bahia |
63
|
40 (63,5%)
|
23 (36,5%)
|
|
Goiás |
41
|
34 (82,9%)
|
07 (17,1%)
|
|
Distrito Federal |
24
|
14 (58,3%)
|
10 (41,7%)
|
|
Espírito Santo |
30
|
23 (76,7%)
|
07 (23,3%)
|
|
Minas Gerais |
77
|
68 (88,3%)
|
09 (11,7%)
|
|
Rio de Janeiro |
70
|
23 (32,8%
|
20 (28,6%)
|
27 (38,6%)
|
São Paulo |
84
|
56 (66,7%)
|
28 (33,3%)
|
|
Paraná |
53
|
34 (64,1%)
|
08 (15,1%)
|
11 (20,8%)
|
Santa Catarina |
40
|
22 (55%)
|
18 (45%)
|
|
Rio Gde. Do Sul |
55
|
11 (20%)
|
20 (36,4%)
|
24 (43,6%)
|
Fonte: Painéis de votações e entrevistas com deputados e assessores legislativos.
O que o autor denomina por “independentes”, são aqueles deputados que não fazem oposição sistemática ao governo, apoiando o Executivo eventualmente, sem no entanto se definirem como bloco situacionista. A maior parte dos casos (Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul) os independentes são os “fiéis da balança” dentro do Legislativo, aproveitando aproveitando dessa posição para negociar projetos de seu interesse. Conciliando as vantagens do oposicionamento (não sou do governo portanto nada tenho a ver com os erros) com os aspectos positivos (fui eu que consegui esta obra junto ao governo).
Quatro características características das coalizões estaduais:
- Não existe acordo pragmático. Os parlamentares se abstêm de utilizar sistematicamente seus poderes de veto, obstrução e controle e em troca o chefe do executivo distribui cargos e verbas publicas aos partidos e ou deputados aliados.
- Os governadores constroem sua base parlamentar com os parlamentares e não com os partidos – O interesse individual de cada político determinava a montagem das bases parlamentares dos governos estaduais do quadriênio analisado.
- Dentro dessa lógica existe uma característica marcante: a solidez do pacto entre o Executivo e o Legislativo. De um lado, possuia um forte controle sobre os cargos loteados entre os deputados, e por outro lado a Assembleia Legislativa apresenta fidelidade situacionista.
- Dessa forma, os Executivos estaduais não se ancoram em uma maioria parlamentar, e sim em uma maioria parlamentar inorgânica, incapaz de articular coletivamente para influir nos rumos da política estadual. O governo estadual ao contrário, detinha uma forte organicidade capaz de torná-lo apto a conduzir as macropolíticas com grande autonomia.
O resultado desse processo foi a submissão do Legislativo ao Executivo.
A “regra do situacionismo” típica do ultrapresidencialismo só não foi verificada em três dos quinze estados estudados: Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, pois nestes estados há uma forte tradição oposicionista (graças a uma acirrada competição entre as elites locais). As exceções demonstram que mesmo nos casos em que não há maioria absoluta do Executivo, a situação não é desfavorável ao governo. Como por exemplo em Pernambuco onde a bancada situacionista possuia mais deputados que a oposição e os independentes detendo 49% dos votos. O Rio de Janeiro que aparece como um caso desviante pela inexistência de um maioria situacionista, a oposição tinha menos deputados do que a situação, e os independentes por sua vez eram controlados pelo deputado José Nader que estabeleceu um pacto com Leonel Brizola, garantindo-lhes os votos necessários para controlar a casa. O caso gaúcho era realmente o único caso desfavorável ao Executivo, que não apresentava uma maioria sólida na Assembléia Legislativa e isso se explica pelo alto grau de competição partidária neste estado, onde em cada um dos tres ultimos pleitos para governador até 1990 houve um partido vencedor diferente:PDS, PMDB e PDT. Ou seja, em apenas um dos quinze estados estudados o grau de competição existente foi capaz de derrubar o situacionismo vigente na esfera estadual. Entretanto, embora Executivo estadual tenha sido o que mais sofreu derrotas parlamentares, o governo de de Alceu Collares perdeu pouquissimas votações na Assembleia Legislativa adotando a estratégia de conquistar caso a caso o apoio dos parlamentares através de pressão sobre a base dos deputados.
No ultrapresidencialismo estadual há dois padrões de ccompetição: no momento eleitoral onde vigora a disputa partidária e no momento governativo, onde vigora uma lógica quase unipartidarismo e todos os políticos giram em torno do governo estadual e a favor do governador. O grande controlador dos recursos estaduais, tão necessários para a sobrevivência dos deputados é o Governador de Estado, tornando fundamental aos deputados manter o pacto de lealdade com o governador para adquirir os recursos necessários à reeleição.
Quais as causas do ultrapresidencialismo estadual?
O autor formula algumas hipóteses, entre elas as características do sistema de partidarismo brasileiro, ao fortalecimento do dos governadores no front externo das relações intergovenamentais e os fatores intrinsecos à política estadual que explicam o atual poderio dos governadores em circunscrição política.
Federalismo estadualista
O autor define o período estudado como estadualista, pois os estados são os grandes beneficiados pela distribuição de recursos e poder dentro da Federação e defende a hipótese de que o fortalecimento das unidades estaduais no âmbito intergovernamental fortaleceu os governadores diante da classe política estadual, pois os Executivos estaduais aumentaram seu leque de recursos políticos ao seu dispor. Ao longo da redemocratização as unidades estaduais aumentaram seu poder dentro da estrutura federativa brasileira (construi-se uma uma federação desequilibrada, onde os estados possuiam muita força e pouca responsabilidade).
Os governadores e o sistema político brasileiro
Assembleia nacioal como Camara dos Estados do Brasil, termo empregado pejorativamente para descrever o papel dos governos estaduais em nível nacional. O pacto de lealdade entre entre governadores e parlamentares federal fortaleceu os chefes estaduais diante do chefe da nação. A deslealdade dos deputados pode ocasionar em falta de recursos políticos estaduais e perda de apoio nas próximas eleições.
A repartição dos recursos nacionais e a distribuição desequilibrada dos encargos
A reforma tributária de 1966 garantiu a descentralização da União em relação as verbas estaduais, com o esgotamento do Estado desenvolvimentista e a crise financeira da União no início dos anos 80.
Fatores intrinsecos à esfera estadual
Os governadores possuiam um enorme poder descricionário para alterar regras, normas e pessoas na Administração, poder maior que o governo Federal.
- É por base na relação clientelista com os prefeitos que que o governador constroi a base do seu poder na política estadual, dada a precariedade financeira na maioria dos municípios.
- Outra forma de controlar a as lideranças políticas é por meio da distribuição de cargos da burocracia estadual. Ao mesmo tempo que ganham prestígio político, esses líderes locais tornam-se devedores frenta aos secretários estaduais e ao governador.
- A criação de munipícios para aumentar o curral eleitoral também foi uma prática encontrada entre os governadores que conseguiam influir no processo já que dominava a Assembléia.
- No plano eleitoral, nas campanhas individualizadas sem suporte partidário somado ao caráter informal dos distritos resulta na maior vulnerabilidade, sendo o governador o grande favorecido. Outros suportes eleitorais são os sindicatos e as igrejas.
O que explica essa dinamica clientelista?
A debilidade do institucional das Assembleias Legislativas – que tiveram poucas mudanças após o regime militar quando o Legislativo era um poder secundário no processo político. Não possuem ainda um corpo técnico especializado nas atividades parlamentares. A fraqueza estrutural da Assambléia Legislativa origina-se da incapacidade dos deputados estaduais romperem com a logica do sistema político estadual.